Pode mexer em tudo. Dá para pescar peixinhos, fazer as horas passarem, brincar com dedoches e dormir com ele, como um travesseiro. Foram as infinitas possibilidades de um livro sensorial que atraíram a artesã Viviane Rodrigues a desenvolver essas obras-primas utilizando materiais como feltro, fitilhos, velcro e botões. O resultado deixa crianças de várias idades encantadas e entretidas por um bom tempo.
Embora tenha iniciado há pouco mais de um ano a produzir os livros, Viviane relata toda uma trajetória de aproximação com a arte, a cultura, e a costura. Com a mãe costureira autônoma, não foi difícil começar a aprender e trabalhar com linhas e máquinas. Aprendeu e trabalhou, ao longo do tempo, com crochê, trabalhos rústicos, com corda, sisal, santa maria. Na hora de entrar na faculdade, escolheu Relações Públicas.
Foram nos momentos mais difíceis que a criatividade aparecia enquanto instrumento de sobrevivência, mesmo. Quando as contas apertavam no bolso, corria para o artesanato como uma forma de receber dinheiro.
"Engravidei aos 22 anos e era complicado conseguir trabalho formal. Então eu fazia crochê e meu marido, na época, vendia", conta. "No último ano da faculdade , meu orientador do TCC morreu, separei, fiquei desempregada, voltei para a casa da minha mãe. Nesse mesmo tempo, minha mãe ganhou vários tecidos, então comecei a fazer umas bolsas com alça móvel e consegui vender bastante, com ajuda de cinco vendedoras que ficavam com uma comissão, daí pude pagar a formatura".
Em 2014, ao participar da Feira Afro, com um estande, criou o Magrela Ateliê, onde passava a vender turbantes, calças. Fazia a propaganda nas redes sociais, transformando o quintal de casa em um estúdio para fotografar seus produtos. Fez ecobags, bolsas, roupas.
Mas e os livros?
Começaram apenas neste ano de 2018, após várias idas e vindas nas artes e no artesanato. Uma amiga, por acaso, perguntou se Vivi faria um livro sensorial para sua filha. Enviou link de um blog e jogou o desafio: "quero que você crie algo próprio", relembra. Após duas semanas só fazendo pesquisas, lendo, e vendo vídeos, a artesã foi delineando o projeto.
"Não sabia quantas páginas colocar, quais atividades, de que modo seria a obra. Tinha que ver como seria a capa, a costura para ficar firme, e eu não queria fazer igual ao de ninguém. Vi livros sensoriais da Ucrânia com uma riqueza de detalhes", relembra. "Foi então que decidi que faria 10 atividades no livro".
Bonecas para vestir, comidas saudáveis para colocar no prato e brincar de comer, mãozinha com numerais, capa fofinha para criança dormir, dedoches. A Morena Flor, filha dessa minha amiga, foi primeira criança a receber o livro.
Em meio ao amadurecimento da técnica, Vivi tinha que enfrentar outra questão: como vender. Contou com a ajuda de vídeo e das redes sociais para propagandear suas artes. "O primeiro vídeo que fiz foi mais longo, mas depois comecei a fazer mais curtos, aparecendo apenas minhas mãos manuseando o livro com as atividades".
Arte, artesanato e rendimento
De abril até agora, foram mais de 20 livros produzidos, com uma singularidade: todos diferentes e personalizados segundo os gostos das crianças. Outra característica que atrai os livros sensoriais é a acessibilidade.
"Para crianças com deficiência visual, os livros são interessantes porque elas podem identificar os objetos tocando, sentir suas formas. Ele também é todo molinho, e não tem papel para engolir ou rasgar. As crianças podem fazer o que quiser com ele, dá para futucar em tudo", garante. "Além do mais, eles são grandes. E crianças pequenas gostam de coisas grandes, e cheios de cores".
Apesar da experiência cada vez mais aprimorada, Vivi conta que cada livro é uma novidade. "Uma menina gostava de animais do sertão, como calango, catenga. Nunca tinha visto alguns desses animais na vida. Procurei eles em artesanato na internet e não encontrei. Então tive que olhar os animais reais na internet e produzir um próprio de feltro", rememora. "Me angustio no início e me orgulho no final".
Seu desafio atual é um livro para uma pessoa adulta. "É uma professora museóloga aposentada, que está em Maceió e me pediu um livro sensorial interativo sobre Maceió, com feltro, e mostrando a cidade", relata. "Outra amiga pediu histórias bíblicas que fiquem mais fáceis para contar a crianças pequenas, e também com possibilidade de interagir".
Segundo Vivi, um amigo chegou a lhe informar que, dada a singularidade de cada livro feito sob encomenda, o que ela faz é arte. "Como não há uma reprodução igual, cada um é diferente, ele diz que é arte e não artesanato. Para mim, tanto faz. Sempre gostei de criar".
Apesar do sucesso com a criançada e com os adultos, Viviane Rodrigues conta que ainda não dá para viver dessa sua arte. "Se fosse para receber a renda necessária com esses livros, eu teria que fazer uma demanda bem maior, em uma produção bem mais acelerada, ou teria que aumentar o valor, mas por enquanto não posso", explica.
Ao contabilizar o material e o tempo que levou para fazer os livros, Vivi ainda não vê um rendimento justo, mas espera que as coisas melhorem com o tempo. "Vi alguns livros sensoriais na internet para vender, até para ter uma noção de que preço poderia cobrar, mas todos eram padronizados. Como os que faço são personalizados, dá um trabalho bem maior. Ao mesmo tempo, sei que não posso vender por um preço que acho justo, porque as pessoas não terão como pagar e também porque ainda estão conhecendo. Então termina que faço mais barato mesmo", diz.
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