terça-feira, 27 de janeiro de 2015

As melhores Pessoas, crônica de Fernando Tenório


Duas mulheres entram numa das maiores confeitarias de Maceió. A beleza da loira era estonteante. O pedaço de bolo logo foi esquecido e os olhos ficaram devotados somente para ela. A outra mulher, de cabelos brancos e colar dourado, perguntou:
- E namorado, minha filha? Você está quase há um ano solteira. Mulher bonita troca de namorado, mas não fica solteira.
- Vovó, a fase não está boa mesmo. Estou andando nas melhores festas, naquelas das melhores pessoas. Festa só vale a pena se o ingresso custar acima de duzentos reais.
O encanto foi sepultado com apenas poucas palavras. Terminei meu bolo rapidamente e voltei para casa pensando nas “melhores pessoas” e o que elas fazem.
As melhores pessoas ajeitam seus ventiladores na calçada, andam com pouca roupa pela rua e cuidam das plantas ao final do dia. Quando andam na praia, elas não olham com inveja para os prédios luxuosos e palacetes alheios, preferindo agradecer pela leve brisa que acalenta.
As melhores pessoas sentem dor de dente aos domingos e mesmo assim levam os netos para tomar sorvete. Veem um filme que nada lhes apetece só para desfrutarem da companhia de alguém especial. Chupam manga com sal só para desafiar as leis dos homens que prometem a morte por tal combinação. Sentam-se nas cadeiras na calçada, apanhando o sereno da noite e contemplam a lua nova.
As melhoras pessoas escondem suas hérnias umbilicais, bem como as frieiras e impinges, do mundo, do ser amado. Mas, atendem ao desejo quando esse chega com força. O corpo nu falho e imperfeito é coberto pelo desejo e nada mais. São desprevenidas e tomam as chuvas de janeiro quando saem sem guarda-chuva. Levam também banhos de lama dos carros apressados que avançam pela cidade. Vez por outra, esquecem-se de pagar uma conta de gás ou energia, lembrando somente quando os serviços foram suspensos justamente no dia do jantar prometido para quem se ama.
As melhores pessoas não esperam muito do outro, todavia não se contentam com pouco. Não vivem da migalha do sentimento de outrem. Elas pouco fazem questão de supervalorizar a caridade do dia santo e o pecado da festa pagã. As melhores pessoas vão para igrejas, terreiros, templos ou não têm fé. Podem até andar nos bingos clandestinos, nos cabarés, no ponto do bicho ou nos divãs.
As melhores pessoas já brocharam com o ser amado e fizeram sexo louco com alguém que em nada agrada. Jogaram xícaras na parede por uma raiva intensa ou engolem o choro, a palavra, o gozo.
As melhores pessoas plantam mamoeiro no quintal ou até jaqueira, para que o neto possa comer jaca mole passados trinta anos. Podem ser preconceituosas, mas conseguem mudar de opinião ao ouvir atentamente o outro. Jogam futebol, apostam dinheiro. As melhores pessoas já pensaram em suicídio, homicídio e no roubo milionário do banco central. Pensaram e não fizeram. Elas já traíram ou pensaram em trair. Foram traídas ou ainda serão.
As melhores pessoas suam e embaçam os vidros dos carros enquanto se deliciam com o corpo de alguém. Prometem sexo quando querem sexo e juram amor quando estão querendo amar. Fogem de encontros marcados por saberem que ali correm algum perigo. São humanas. Permanecem com marcas das unhas cravadas na noite anterior. Pensam na noite anterior, no adultério, no amor que nunca há de ser. Entendem que a beleza vem, causa seu estrago, e passa.
As melhores pessoas não morrem por amor, mas seguem vivendo por ele. As melhores pessoas morrem por amor, mas continuam vivas esperando o retorno dele e a ressurreição.

Nenhum comentário: